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O referendo constitucional em itália e os seus paradoxos

No próximo dia 4 de dezembro irá celebrar-se o referendo confirmativo da grande revisão constitucional aprovada pelo parlamento italiano. É difícil resumir em poucas linhas todas as alterações que foram feitas à arquitetura constitucional vigente. Provavelmente o elemento mais importante é a alteração do chamado “bicameralismo perfeito”, ou seja, de um sistema em que Câmara dos Deputados e o Senado tinham, na prática, os mesmos poderes (e funções) em matéria de produção legislativa (todas as leis tinham de ser aprovadas nas duas Câmaras).

Se a reforma for aprovada, isto é, se ganhar o «Sim», o Senado irá tornar-se numa espécie de Camara representativa das entidades regionais e locais. Todavia, a alegada “simplificação” introduzida pelo novo texto constitucional não é ainda clara, nalgumas situações, quanto ao seu sentido. Por exemplo, ainda não é claro se os senadores, que passam de 315 para 100, serão eleitos popularmente ou nomeados pelas autoridades políticas das regiões italianas. Outro exemplo: no texto antigo da Constituição (ainda em vigor), uma lei para entrar em vigor devia ser aprovada na mesma forma pelos dois ramos do parlamento, agora são previstas diferentes configurações que, provavelmente, irão gerar confusão e inumeros conflitos que terão de ser resolvidos pelo Tribunal Constitucional.

Embora não faça parte dos temas do referendo é impossivel não se referir aqui também a nova lei eleitoral que foi aprovada no ano pasado e que, em principio em linha com esta nova reforma constitucional, visa só a eleição da Camara dos Deputados… Para simplificar ao maximo, o Italicum é um proporcional com duplo turno. Ou seja, passam para a segunda volta os dois partidos que tiveram mais votos e concorrerão para o premio de maioria de 340 deputados sobre 630. Ou seja, trata-se de um sistema de representação proporcional, mas com um grande prémio de maioria que introduz, de facto, um forte desvio maioritário no sistema.

O sistema politico assim reformado introduz de facto uma eleição directa do primeiro ministro o qual, no caso do Partito Democratico (Pd), é escolhido em eleições primairias abertas. Formalmente o chefe do executivo ainda é escolhido pelo Presidente da Republica, mas de facto é inimaginavel que o chefe de estado seja livre na sua escolha, dado que o prémio maioritário irá determinar que partido irá liderar o governo.

No campo do «Sim», está praticamente só o Partido Democratico. No campo do «Não», há o Movimento 5 Estrelas, a Forza Itália, varias formações da Esquerda e uma ampla fatia da sociedade civil não organizada em partidos como, por exemplo, Giustizia e Libertà (duas personalidades importantes desta última força são Nadia Urbinati, professora de teoria politica na Columbia University, e Gustavo Zagrebelsky, antigo presidente da corte constitucional)

O tom da campanha eleitoral nunca foi tão quente até porque, como sublinham quer o The Economist, quer o Financial Times, a Itália poderá vir a passar em breve por uma fase de forte instabilidade financeira, que poderá levá-la a ter que abandonar o Euro, seja pela grande divida publica, sejas pelas dificuldades no seu sistema bancario. Que este seja uma tática do poder instalado, para fazer bluff, é difícil de dizer. Apesar de tudo, um tsunami financeiro tinha sido já previsto também no caso do Brexit e da vitória do Trump nas eleições presidenciais americanas, e não ocorreu em qualquer dos casos. Matteo Renzi, o Presidente do Conselho Italiano, que pessoalizou em volta da sua figura o referendo, disse que irá se demitir em caso de vitoria do «Não», alimentando ainda mais a especulação dos mercados. Há, pois, claramente uma estratégia de dramatização dos resultados em curso.

A finalizar, merecem de ser sublinhados três paradoxos que tornam as posições em volta deste referendo de dificil comprensão:

  • A lei eleitoral anterior, o “Porcellum”, com a qual foi eleito o parlamento em funções, foi declarada inconstitucional pela Corte Constitucional na parte que se refere ao prémio de maioria (que também já existia antes). Embora a Corte tenha declarado que o parlamento é igualmente legitimo, teria sido provavelmente mais correto a aprovação rápida de uma nova lei eleitoral, sem prémio de maioria, e voltar a eleições atencipadas. Isto é, temos um parlamento eleito com uma lei eleitoral inconstitucional e que pretende reforma a própria Constituição. Não parece de todo ser muito legitimo.
  • Matteo Renzi usa uma linguagem tipicamente populista: mudar a constituição para afastar a “casta”, para reduzir os “políticos”, para reduzir os custos da politica. E, por fim, “para entregar o poder de decisão ao povo”. Até foi adotada uma postura antieuropeísta e a bandeira da União Europeia desapareceu das conferências de imprensa do presidente.
  • O Movimento 5 Estrelas, formação de claro carácter populista, que teria muito a ganhar com esta reforma, já que mutios sondages preconizam uma sua possivel vitoria em eleições politicas, está a ser o mais aguerrido partido contra a reforma.

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